Nós estamos, neste momento, passando por uma transformação com a popularização e escalabilidade da inteligência artificial. Tudo parece muito maravilhoso e divertido – tipo o frenesi dos avatares e a possibilidade de ver como vai ser seu filho hipotético numa imagem com mãos estranhas -, até você perceber que os seus dados (que incluem a sua imagem) podem ser retidos por até dez anos por essa empresa que você nunca ouviu falar.
Isso me fez pensar nos problemas que estamos começando a enfrentar e nas questões que precisamos discutir para que toda essa tecnologia não seja usada de um jeito injusto ou indevido.
"Soon after the first automobiles were on the road, there was the first car crash, but we didn't ban cars. Instead, we began to enforce rules of the road." – Bill Gates
[ Tradução livre: “Logo depois que os primeiros carros chegaram às ruas, houve o primeiro acidente de carro, mas nós não banimos os carros. Ao invés de bani-los começamos a estabelecer as regras do trânsito.” ] - Bill Gates, nesse artigo aqui.
Vamos, então, falar de um tópico sensível das IAs generativas de imagem.
De onde vêm as imagens das plataformas de IA que criam imagens? Como ficam os direitos de uso? A quem pertence o que é criado nas plataformas?
Pode parecer insignificante, mas essas perguntas nos respondem questões sobre:
1 - Uso de imagens disponíveis da internet sem a autorização do [1] retratado na foto e [2] do fotógrafo;
2 - Impacto direto em profissões como designers gráfico, ilustradores, fotógrafos, diretores de arte, artistas plásticos, produtores de conteúdo, etc.
3 - Impacto direto em negócios como bancos de imagem, agências de publicidade, design e marketing, editoras, produtoras de vídeo e marcas que façam qualquer comunicação que use material imagético (praticamente todas).
O Midjourney, por exemplo, dá uma licença para quem gera as imagens por lá. Sendo assim, se você cria uma imagem no Midjourney ela está licenciada para você. Se for uma empresa que tenha mais de 1 milhão de dólares em receita anual, eles pedem o pagamento de uma licença corporativa. A questão, no entanto, está na origem das imagens que alimentaram a IA. Segundo o David Holz, fundador do MJ, foi usada uma grande “raspa da internet” sem metadados e sem crédito de origem. Ou seja, se você reproduzir o estilo de um artista ou fotógrafo, ele não está sendo creditado ou pago pelo uso do trabalho dele.
A Adobe e as suas ferramentas de IA têm uma abordagem diferente. O Adobe Firefly, que oferece principalmente soluções de design além de imagens geradas por IA, não permite (ainda) o uso comercial das criações feitas na plataforma. Já a ferramenta de imagem generativa do Photoshop foi alimentada pelo banco de imagens da própria Adobe, diminuindo as chances de alguma imagem não ter sido licenciada previamente. Neste artigo, a revista Futurism conta como a Adobe insiste que não teria problemas de copyright e inclusive arcaria com custos legais de clientes corporativos caso viessem a ser processados.
Há, ainda, os que argumentam que como a IA cria uma mistura a partir de referências, ela estaria mimetizando um processo criativo, o que não seria muito diferente do que fazemos quando estamos criando algo a partir de referências.
Minha opinião: regras e leis precisam ser elaboradas para proteger a propriedade intelectual dando possibilidade criativa para quem usa a plataforma. Essas empresas, que já estão ganhando dinheiro, vão agir no limite daquilo que lhes é permitido legalmente. As leis, portanto, precisam se adequar a essa realidade.
Depois de um textão para falar de assuntos sérios porém necessários, me conta o que você acha que deveria ser feito para proteger a propriedade intelectual de profissionais e, ainda assim, ter uma tecnologia que permita que a criatividade flua de outra maneira?
Pergunta difícil. hehehe Mas vejo que tem a ambiguidade de olharmos para a tecnologia e também para nós como profissionais "impactados". Acredito que o primeiro passo é olharmos para nós mesmo e nos ressignificarmos, como seres humanos e também como profissionais. Como nós queremos ter leis e regulamentações, se nem as profissões como Jornalismo e Design tem isso, pelo menos aqui no Brasil?
Caraka Giovanna, super boa essa reflexão que você nos trouxe.
Me lembrou um pouco o que aconteceu na época da pirataria, que impactou tanto a indústria musical.
Só que hoje rola uma complexidade ainda maior devido a rapidez que isso acontece e o volume absurdo de informações que a gente produz diariamente.
Parece ser algo mais difícil de solucionar. No caso da pirataria rolou o início do mercado de streamings. Talvez venha aí um novo mercado digital, talvez a Adobe possa trazer alguma solução, já que eles já estão trabalhando para manter os direitos autorais de uso das imagens, mas ainda é muito nebuloso em minha mente.